O sucesso da arte popular vem da previsibilidade. As pessoas esperam que aquela dança, filme, música ou livro popular corresponda a modelos familiares, arte acessível e confortável como um chinelo usado.

         Nada contra o conforto! Eu mesma até me divirto com enredos pra-lá de óbvios, filmes policiais, por exemplo, em que posso constatar, sem sustos, o prevalecimento da justiça e o fato dos maus serem punidos. Mas o reconhecimento dessa facilidade de abordagem não exime uma obra de ser competente em sua carpintaria.

         Uma das autoras mais famosas do gênero policial é a inglesa Agatha Christie. As sucessivas reedições de suas obras superam, em alguns países, a tiragem da Bíblia, por exemplo. Seus personagens mais famosos, Hercule Poirot e Miss Marple, são exemplos familiares de investigadores dedutivos, capazes de solucionar os mistérios mais elaborados.

         No que se refere e Hercule Poirot, inclusive, há um precedente que quero destacar: mesmo que sua autora, Agatha Christie, esteja morta desde 1976, a partir de 2014 a autora Sophie Hannah foi autorizada pelos herdeiros da escritora a prosseguir nos romances do detetive belga, em livros como OS CRIMES DO MONOGRAMA, O MISTÉRIO DOS TRÊS PEDAÇOS, CAIXÃO FECHADO e outros.

         Eu, como fã de carteirinha de dame Christie, logo fui atrás desses novos casos de Poirot. Mas, por mais que me esforçasse por saborear os livros, confesso minha decepção. Se existe o mistério, se existe a capacidade dedutiva do detetive, se existe até seus maneirismos, há em tudo um sabor de coisa requentada. Não há brilho nem surpresa: só a moldura do quadro, sem o talento do artista.

         Muito mais gratificante do que ler um autor escrevendo “à maneira de outro”, é encontrar obras que partem das premissas certas da obra popular, as características convencionais dos personagens, mas conseguem acrescentar particularidades que dão vida nova ao que é velho. Aqui quero citar Richard Osman e seus adoráveis membros de O CLUBE DO CRIME DAS QUINTAS-FEIRAS.

         Richard Osman nasceu em 1970, mas escreve “como um velhinho”. Seus personagens moram em Coopers Chase, uma comunidade da terceira idade e, para afastar o tédio, eles se propõem a desvendar crimes fictícios, nos encontros do tal clube das quintas-feiras. Quer o destino, porém, que eles acabem topando com um crime real e, investidos do mesmo zelo de uma miss Marple, vão à cata dos criminosos.

         Com os mesmos personagens foram editados no Brasil O CLUBE DO CRIME DAS QUINTAS-FEIRAS, O HOMEM QUE MORREU DUAS VEZES, A BALA QUE ERROU O ALVO, O ÚLTIMO DEMÔNIO A MORRER. São todos uma delícia!

         É bem aquele caso em que a boa carpintaria e o talento do artista conferem uma vantagem a mais além do óbvio. Se revisitar Hercule Poirot com todos os seus contornos (mas sem a sua alma) empobrece a narrativa, o fato é que Osman cria romances policiais com todos os seus elementos básicos, mas com personagens novos e sedutores. Isso só traz energia e vivacidade aos livros.

         Como um brinde extra para quem gosta de enredos policiais, em 2025 também veio o filme O CLUBE DO CRIME DAS QUINTAS-FEIRAS, com um elenco maravilhosamente maduro: Helne Mirren como ex-agente do serviço secreto britânico; Ben Kingsley como um psiquiatra aposentado, Pierce Brosnan, aos 70 anos, ainda com aquela forma impecável de James Bond, papel que o consagrou.

         É a consolidação da minha crença de que a arte pode beber de fontes conhecidas, mas ganha sabor com a inventividade da abordagem. O bom escritor, diretor, roteirista, consegue oferecer uma obra de múltiplas leituras: há aquela história óbvia, que qualquer espectador (ou leitor) básico consegue compreender e há uma possibilidade subjacente, informações cifradas que podem oferecer um cardápio mais sofisticado do que o trivial feijão-com-arroz da obra popular.

         Richard Osman e seus velhinhos fazem parte desse seleto clube de leitura, espera-se que vivenciando inúmeras aventuras nos próximos anos.