Outubro começa com o DIA DO IDOSO. Eu, do alto de meus 63 anos, faço parte do time. Quero compartilhar um fato que me aconteceu nessa quarentena. Quase tive vontade de proibir esse GARRAFAS pra “menores de 55 anos”, porque o que vou falar tem a ver com velhice. Enfim, como acredito que empatia é sentimento democrático, resolvi liberar o texto pra “censura livre”. E vamos lá:

Acordei num belo dia de maio com o dedão da mão direita travado. Não doía mas não mexia. Melhorou com banhos quentes e pomada tipo Gelol, mas NUNCA ficou 100% nestes meses todos. Procurei tratamento, ligava pra convênio, mas com tantos suspeitos de covid-19, só consegui consulta presencial em julho.

Diante do médico, contando minhas mazelas, descobri chateada que o excesso de especializações na área médica me botou diante de um ortopedista que não TRATAVA DE MÃO. Sugeriu que eu fosse a um “ortopedista de membros superiores”. Pelo menos me adiantou a solicitação de exames de raio-X e ultrassonografia, que demoraram eternidade pra serem marcados (presencialmente, of course, queria saber como alguém faria um raio-X por celular).

Encurtando a história, de posse dos resultados, cadê o especialista? Só consegui consulta pra ontem. Foram QUATRO MESES de sofrimento.

E em quinze minutos fiquei aliviada. O médico, jovem, bonitão, objetivo, desenhou o interior de uma mão. Explicou que o nervo passa por um duto que é praticamente de seu tamanho. Se está inchado, o nervo não passa pelo duto e dói. Tomei uma injeção contra dor, comprei os anti-inflamatórios e já na segunda dose estou rodando a caneta entre os dedos, teclando no computador esse GARRAFAS com a maior agilidade, apertando válvula de privada, abrindo pote de palmito, virando maçaneta de porta, segurando prato no ar sem medo de derrubar etc etc etc… fazendo TODAS as coisinhas cotidianas que eram martírios, nesses meses de famigerada tenossinovite (o nome da coisa!)

SEM DOR, EU ME SINTO OUTRA PESSOA.

Na verdade, sinto que a velha Marcia está de volta, mais otimista que derrotista… Prefiro, diante de um copo com dois dedos de água, dizer que o copo está “meio cheio”, do que assumir que ele está “meio vazio”. Mas, nos meses em que convivi com a tenossinovite, tomei atitudes e tive pensamentos que hoje não reconheço. Aflorou-me um perfil ranzinza, irritadiço e boca-dura.

Agora vou associar meu caso à comemoração do DIA DO IDOSO. Com o passar dos anos, é normal o desagaste de órgãos e a queda de habilidades. A visão piora, a pessoa é menos ágil, tem de maneirar na dieta e exercícios físicos. Okay, isso faz parte da vida, é o normal. Só pra ilustrar, tem aquela piadinha, perguntaram a um senhor que comemorava 105 anos o que ele achava disso, sua resposta foi “envelhecer é uma m*, mas acho melhor do que a outra alternativa”.

Envelhecer, porém, fica injusto quando é associado à dor. O complicado é que não é A DOR, transtornante, inflamação no dente do siso, cólica brutal com diarreia. Isso carece de socorro imediato e tratamento. Eu falo da dorzinha chatinha. Inconstante: recebe nota 8 num dia, vira zumbidinho bobo por uma semana. Dá pra conviver com isso.

O problema é que na convivência o velho muitas vezes aprende a acalentar a dor.

A dor vira quase uma amiga. Uma marca de caráter. Por sua permanência em “baixo volume”, a dorzinha chata mina a energia, torna a pessoa irritadiça, cansada, mal-humorada. Se você, leitor, é jovem que convive com idosos, pergunte-se se muitos desses comportamentos não têm a haver com as mazelas do “seu velho”.

O velho nem repara mais, age no automático sem questionar. Será que muito da rabugice, falta de paciência, intolerância, frases de “dono da verdade”, mesquinhez, agressividade não é fruto… OPA! ‘pera aí.

Acredito sim que muitos comportamentos podem ser creditados a dorzinhas chatas, mas nem tudo. Não se pode esquecer da máxima “canalhas também envelhecem”. Se o velho intolerante classifica um funcionário como alguém que fez “um trabalho de preto” ou ofende um casal homossexual só porque anda de mãos dadas na rua, sua doença é outra. É racismo. E a cura pra isso é uma só: a lei. O negócio é tacar um processo por injúria pra ver se essa gente – velha ou jovem – aprende a conviver com mais respeito e tolerância.