Recentemente estive em Roma com uma amiga. Foi uma viagem de (re)descobertas, tanto de prazeres sensoriais como culinários. A cidade nos ofereceu em cada café ou esquina algum magnífico gelato ou cannoli – preferia os de pistache e me empaturrei sem culpa. Quanto a outras experiências, não achei que Roma iria decepcionar. Mas foi quase.

Isso porque a cidade é um destino turístico dos mais procurados, mas no ano de 2025 ocorria o jubileu católico, evento comemorado a cada 25 anos e que atrai milhares de peregrinos. Então o que já devia estar populoso ficou absolutamente lotado. Eu e minha amiga não planejamos comprar ingressos antecipados, mas isso se revelou impossível, porque alguns lugares tinham fila de espera de vários dias. O jeito era aceitar o que o destino poderia oferecer e sair, ao léu.

Vimos o coliseu por fora; assistimos no domingo uma missa do papa Leão XIV, oficiada na praça de São Pedro; conseguimos entrar no Panteão até com facilidade; andamos a esmo pelo centro velho da cidade. Roma é MESMO um museu a céu aberto e os séculos nos surpreendem a cada virar de esquina. Se bobear, você até tropica na História! E isso literalmente…

Andando em via pública no Trastevere, quase tropecei numa pedra de mais ou menos um metro de largura e, antes de me xingar pela distração, reparei melhor e vi que grafado naquele anônimo pedaço de rocha havia o símbolo do Império Romano, sem nenhum destaque ou informação. Era uma pedra no meio do caminho, mas, ampliando o conceito drummondiano, era uma BAITA pedra histórica!

Investindo na fé, fomos à Igreja da Imaculada Conceição dos Capuchinhos, na via Veneto e visitamos sua cripta, com a peculiar (ou mórbida, dependendo do ponto de vista) decoração com ossos humanos. São seis capelas, com milhares de ossos de aproximadamente 4000 frades, que morreram entre os séculos XVI e XIX. O objetivo dos artistas era o de criar um “coemeterium” (dormitório) que funcionasse como um lembrete da transitoriedade da vida.

Cripta dei Cappuccini
Convento dei Cappuccini
Cripta dei Cappuccini

Estes monges alcançaram seu objetivo. É impossível terminar a visita sem a sensação de que nossa vida é breve e mais cedo ou tarde o destino final nos equaliza… Mas não é um recado pessimista. Ao término da visita, a sensação que me ficou é que, se breve, nossa vida carece ser vivida em plenitude. Nós somos as nossas memórias. Nosso legado é o que construímos, mais o que pudemos aproveitar de nossa trajetória.

Ficamos num hotel muito velho, ao lado da Fontana de Trevi. O hotel merece um comentário à parte: nosso apartamento era no terceiro andar. Mesmo subindo de elevador, havia cinco degraus para chegar ao quarto, coisa bem complicada pra duas velhotas puxando malas já bem pesadas. Havia um elevador de porta pantográfica, minúsculo, do tamanho de duas geladeiras, onde mal cabiam quatro pessoas em fila indiana. A vantagem era que ficava MESMO ao lado da fonte e lá fomos nós.

Na primeira noite foi impossível nos aproximarmos da Fontana, tamanha multidão. Optamos por fazer a visita no dia seguinte, antes do café da manhã. Uma placa dizia que o funcionamento era das 9 às 21 horas (provavelmente o horário em que havia policiamento), mas antes das sete horas os turistas haviam rompido o lacre oficial, invadindo toda a fonte.  Havia até um casal de noivos sendo clicado, rente assim das estátuas! Era um delírio fotográfico, ao qual, confesso, nós também aderimos.

Fontana de Trevi

Antes de me afastar, vi uma placa com a famosíssima cena de Marcello Mastroianni e Anita Ekberg em La Dolce Vita (1960), de Federico Fellini. Procurei a cena no google e matei a saudade. Os atores estão lindos, a água engolfando aquele corpo escultural da atriz sueca, que dispensou maiores proteções. Já o pobre Mastroianni recorreu a uma roupa de mergulho por baixo do paletó, pra aguentar o frio das águas da famosa Fontana.

La Dolce Vita (1960)

Pois bem, pra completar esse tour por minha viagem e pela memória, quero citar um comentário do Mastroianni, que li há muitos anos. O ator, no auge da fama, havia comprado uma vila. O lugar carecia de muita reforma, mas ele protelava a obra, receoso. Como bom romano, sabia que era herdeiro de todos os antecessores, temia começar uma escavação e dar de cara com a Roma de antigamente. Um tanto supersticioso, sentia-se desconfortável em incomodar o sossego daqueles antigos romanos.

Acho que o viajante que visita lugares históricos devia se inspirar nessa reflexão do ator italiano. Sempre é bom fazer uma visita, mas será que a gente devia incomodar os mortos, cutucar a tranquilidade dos antigos moradores desses lugares?

Acredito que o mínimo que nós, turistas, deveríamos fazer é demonstrar respeito por tanta gente que trabalhou, amou, sofreu e morreu ali, sob nossos pés, antes que invadíssemos tudo com nossos celulares nervosos.